17 de outubro de 2008

Ariane em Naxos - a chave de um poema de Sophia

Ariane em Naxos

Tu Teseu que abandonadas amadas
Junto de um mar inteiramente azul
Invocavam deixadas
No deserto fulgor de Junho e Sul

Junto de um mar azul de rochas negras
Porém Dionysos sacudiu
Seus cabelos azuis sobre os rochedos
Dionysos pantera surgiu

E pelo Deus tocado renasceu
Todo o fulgor de antigas primaveras
Onde serei ou fui por fim ser eu
Em ti que dilaceras

Sophia de Mello Breyner, Dual

Conta-nos Giorgio Colli, em La Nascita della Filosofia, que é cinco séculos antes de o culto de Apolo ser introduzido em Delfos, pouco depois da metade do segundo milénio a.C., «nesse lendário mundo minóico-micénico alargado a Creta», que se origina o culto a Dioniso: um Dioniso ainda cretense.

O mais antigo mito grego é precisamente cretense, o mito do Minotauro. Nele encontramos pela primeira vez Ariana, filha de Minos e Pasífae, o primeiro rei de Creta. Ariana é a única figura feminina em toda a mitologia grega que se apresenta directamente ligada a Dioniso. Diz Hesíodo: «Dioniso de cabelos de ouro fez sua esposa florida a loura Ariana, filha de Minos, que o Crónida tornou imortal e sem velhice».

Dioniso permanecerá ligado ao todo das mulheres, mas nunca a nenhuma em particular, com excepção de Ariana. Mas a mulher feita «imortal e sem velhice» pelo Crónida não é, assim, uma mulher qualquer, mas uma mulher-deusa. Veremos que nesta dualidade de Ariana, como se vê por via de regra na mitologia grega, há uma polarização de carácter antagónico das duas dimensões, humana e divina.

O matrimónio entre Dioniso e Ariana é tudo menos pacífico. Diz Homero: «E vi a filha de Minos insidioso, a bela Ariana, que outrora Teseu trouxe de Creta para a alta rocha de Atenas protegida pelos deuses, mas dela não fruiu: Ártemis matou-a primeiro, por testemunho de Dioniso, em Dia [Naxos] rodeada pelo fluxo marinho.»

Segundo a versão mais antiga do mito, apoiada tanto pelo testemunho de Hesíodo como pelo de Homero, Ariana abandona Dioniso por amor de Teseu, o que implica a opção por uma vida humana em detrimento de uma vida divina. Neste momento da narrativa mitológica há um claro triunfo da dimensão humana sobre a dimensão divina, o homem sobrepõe-se ao deus.

Mas, no fim, Dioniso prevalece já que é a sua acusação que guia a punição de Ártemis: Ariana é morta como mulher, por Ártemis, nunca chegando a ser possuída por Teseu, e é condenada a viver como deusa. Numa versão mais recente do mito, de que nos fala Sophia, Ariana é abandonada, paradoxalmente, por um Teseu precocemente cansado dela, na ilha de Naxos.

Em qualquer versão do mito o facto é que o triunfo do homem sobre o deus é breve. O deus rompe imediatamente com toda a presunção de uma continuidade humana em Ariana. Dissolvida essa sua ilusão humana, e tornada novamente «imortal e sem velhice», Ariana é restituída ao deus-animal (na soberba expressão de Sophia, o «Dionysos pantera») que, assim, permanece como vencedor sobre qualquer pretensão humana.


8 de outubro de 2008

Poesia em electro-disco?




Poesia em electro-disco? Que a poesia anda (e deve andar) existencialmente interpenetrada com a música já é conhecido (ou melhor, pressentido) pelo menos desde a Antiguidade Grega: lembremos a tese de Nietzsche sobre o nascimento da tragédia nas simbolizações das orgias dionisíacas. Mas que a poesia se possa unir a uma música de estilo electro-disco é outro assunto. Antony é a sua voz e com ela parece conseguir poetisar tudo...

Blind - Hercules and Love Affair
(Com Antony a dar uma lição num registo que não lhe é habitual.)

http://www.youtube.com/watch?v=lOP3q3--BTA