25 de junho de 2006

A beleza modulada nas palavras


A água fria murmura através dos ramos

das macieiras; toda a terra está sob a sombra
das roseiras; e das folhagens a estremecer
escorre o sono.

Safo

24 de junho de 2006

you know friend, this is a god damn bitch of an unsatisfactory situation.



Um céu aberto e limpo sobre a planura verde entrecortada por um curso de água fria que aquele reflecte, ou nuvens brancas pendendo silenciosamente recortadas contra uma navegação giratória azul, e por baixo a solidez imóvel e rochosa da montanha, onde dois seres se suspendem na osmose lenta daquilo que tudo enche, na possibilidade da compreensão possibilitante, o gesto contido por um olhar inefável que contém toda a esfera sustida nos ombros do deus. E quando a noite chega, depois do céu se inflamar, tudo se revela sobre o brilho frio do luar, enchendo-nos de um amor tão expansivo que o corpo não consegue conter senão no pressentimento, entre a vibração disposicional que se solta da lira de prata reverberada pela mão marmórea do deus que nos habita por um momento, enlevando-nos no êxtase do corpóreo para o envolvimento pleno e participativo da perfeição das Formas Belas. E tudo aqui é Belo, Belo por si e em si, mas sempre contrastado pela colectividade religiosa bruxuleante de bruxas, esquecida de mágicos e adivinhos, que passa pelo ranger dos dentes e olhares vazios dardejando iras desabridas e grotescas, imiscuindo a divindade com o anti-imaginário impossibilitante que escorre do terror pelo desconhecido ou incompreensível, negando caminhos diferentes, apartada de estagiritas ou academias, desprovida da pureza das sandálias aladas ou do dorso apolíneo que solta o arco, sem a hipostasia fulgurante de algo tão intenso que só pode ser verdadeiro.

Seria uma rima, não seria uma solução

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Oswald de Andrade

Bolas de Berlim

Uma palavra de apreço pelas melhores bolas de Berlim de Lisboa!

20 de junho de 2006

Jules Renard


«To write is a way of speaking without being interrupted.»

14 de junho de 2006

Elogio do Prazer

O que é a vida? O que é o prazer, sem a dourada Afrodite?
Que eu morra, quando estas coisas já não me interessarem:
o amor secreto, as suaves ofertas e a cama,
que são flores da juventude sedutoras
para homens e mulheres. Mas quando chega a dolorosa
velhice, que faz até do homem belo um homem repulsivo,
tristes preocupações sempre lhe moem os pensamentos
e já não sente prazer em contemplar a luz do sol,
mas é odiado pelos rapazes e desonrado pelas mulheres.
Assim áspera foi a velhice que o deus impôs.

Elogio do Prazer cf. fragmento 1 de M. L. West, Iambi et Elegi Graeci, Oxford, 1989(2), 1992(2).
traduzido por Frederico Lourenço.

2 de junho de 2006

Ordem dos Médicos multada



A Ordem dos Médicos foi multada em 250 mil euros pela Autoridade da Concorrência, segundo noticiou, nesta quinta-feira, o jornal Público, por «impor uma tabela de preços máximos e mínimos ao serviços clínicos prestados em regime privado». Sem querer repetir as palavras do bastonário, acrescento que, de facto, é totalmente descabido configurar a actividade médica como uma actividade comercial, submetida às leis concorrenciais do mercado
(como faz Abel Mateus da Autoridade da Concorrência). Um médico não pode ser tentado a diminuir a qualidade dos seus serviços, de forma a aumentar a margem de lucro. Não pode ser tentado a diminuir a dose de anestesia, a aproveitar as luvas para mais de um doente, a não oferecer tudo aquilo que define um serviço da mais elevada qualidade. Se realmente tiver de começar a cortar na despesa de forma a ser mais apto sob a pressão selectiva das actividades comerciais, será de prever uma diminuição da qualidade dos serviços prestados. Acontece que a lógica médica não é a lógica da mercearia de bairro - os melhores produtos aos melhores preços. A medicina lida com a (tentativa de) menorização do sofrimento humano. É óbvio que os melhores equipamentos são os mais dispendiosos, a mais longa formação espera recompensa, o mais profissional dos serviços (com manutenção de assépsia dos materiais, roupas e espaços), bem como a presença de enfermeiros bem treinados, tudo tem os seus custos. Podemos dispensar a presença constante de um enfermeiro? Sim. Podemos «olhar para o lado» na hora de exigir assépsia estrita para cada novo doente? Sim. Mas é evidente que os doentes saem prejudicados com isso. Quem nunca devia ter aberto a boca era Abel Mateus, pois a práctica médica está bem fora do seu domínio (comercial); e, como dizia Chesterton, se se vai abrir a boca é para morder alguma coisa e não para ficar com ela escancarada e ar de otário.