8 de novembro de 2005

A Saudade

Há uns anos, escrevi este artigo para o jornal da minha faculdade. Recentemente, encontrei num blogue de famoso bailarino o tema abordado, pelo que decidi reler o que tinha escrito: como concordei com o meu eu-jovem, aqui vai.

Diz-se amiúde “Longe da vista, longe do coração”. Ora este adágio encerra, e como é típico de muito senso comum que por aí anda à peia da inteligência, um desacerto. No grosso das vezes, a distância ou a ausência não levam ao esquecimento. Antes pelo contrário, quanto mais «longe da vista, mais perto do coração». A antítese à forma proverbial comum sai reforçada pela experiência. São precisamente as situações de distância ou ausência que mais aproximam aos sentimentos a memória do objecto pelo qual atiçam. Quem nunca sentiu saudade?

Assim escreve a Florbela do Livro de Soror Saudade o soneto: «Quantas vezes, Amor, já te esqueci, / Para mais doidamente me lembrar, / Mais doidamente me lembrar de ti! // E quem dera que fosse sempre assim: / Quanto menos quisesse recordar / Mais a saudade andasse presa a mim!» – bem manifesto que um amor não pode ser esquecido por vontade própria, tão-pouco sem vontade; e que a saudade é o mal da ausência física.

Lorca, no Diván del Tamarit, grafa «A erva cobre em silêncio / o vale pardo de teu corpo. // Já pelo arco do encontro / a cicuta vem crescendo. // Mas deixa tua lembrança. / Deixa-a sozinha em meu peito.» – confessando a dor de saudade e solidão pelo amor já morto e enterrado.

Ainda o vate mor de Portugal, o Camões das redondilhas Sobre os rios que vão, também o reitera: «e minhas cousas ausentes / se fizeram tão presentes / como se nunca passaram», o mesmo Camões que numa das canções mais belas que escreveu dizia assim: «Ah! Senhora, Senhora que tão rica / estais, que cá tão longe, de alegria, / me sustentais com doce fingimento!» – escrito na situação de desterro a que foi sujeito.

Essa emoção, nascida do conúbio da ansiedade com a esperança, da alegria e do sofrimento, persiste nas situações de afastamento. Qual a alma que já não a sentiu como se o próprio amor estivesse presente e inalcançável? Não será essa dor dilacerante consoladora a seu modo? – como se avivasse e, por isso, mantivesse viva a memória do fisicamente ausente; sendo que essa fosse a principal força para resistir ao degredo? O amor como o alento maior da esperança, que perdura memorado pela dor dilacerante.

Findo com a mais pura Ausência da Sophia, viva no Mar Novo, que na sua imagética extraordinária confessa bem o pesar que carrega um “exílio” e o quão desajustado e ingrato é o supradito aforismo popular: «Num deserto sem água / Numa noite sem lua / Num país sem nome / Ou numa terra nua / Por maior que seja o desespero / Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.»

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