Um homem pode alcançar tudo na solidão, excepto um carácter.
Stendhal
Descartes pôs em evidência a incontornabilidade da existência de um ser-pensante, pois mesmo que duvidasse metodicamente de tudo o que existia dava consigo mesmo a pensar, e isso era indubitável, pois era o próprio processo pelo qual ele podia duvidar. A isto corresponde, de certa forma, o facto inegável da existência do eu. Mas esse eu não é uma estrutura perfeitamente integrada, mas é, isso sim, uma estrutura balcanizada. Há uma identidade subjacente, mas a sua fluidez requer a influência dos outros. Esta é uma característica única do ser humano: a necessidade do outro para se definir e conhecer a si próprio. Ele não pode ter uma noção correcta de si próprio se não existirem outros que lhe mostrem (por uma espécie de mecanismo de feedback) como ele é. A asserção de Stendhal traduz a noção de que o nosso carácter nasce nas reacções dos outros a nós próprios. Isto implica que necessitamos dos outros para nos sentirmos completos.
Sentirmo-nos completos lembra-nos a ideia aristofânica da cara-metade proposta no banquete platónico. O ponto a que quero chegar é que o amor é a função através da qual nos podemos sentir completos. O amor permite um feedback contínuo, que funciona como uma confirmação permanente da nossa identidade própria. São, assim, necessários sempre dois para que haja uma completude identitária.
Pode ser assim entendido o conceito de um Deus, central à maioria das religiões, Deus esse que nos vê a todo o momento e nos ama. Ser visto significa que se existe, e ser visto por alguém que nos ama é receber os contornos directores daquilo que nós próprios desejamos intrinsecamente ser.
Sentirmo-nos completos lembra-nos a ideia aristofânica da cara-metade proposta no banquete platónico. O ponto a que quero chegar é que o amor é a função através da qual nos podemos sentir completos. O amor permite um feedback contínuo, que funciona como uma confirmação permanente da nossa identidade própria. São, assim, necessários sempre dois para que haja uma completude identitária.
Pode ser assim entendido o conceito de um Deus, central à maioria das religiões, Deus esse que nos vê a todo o momento e nos ama. Ser visto significa que se existe, e ser visto por alguém que nos ama é receber os contornos directores daquilo que nós próprios desejamos intrinsecamente ser.
2 comentários:
Só o deus Janus nunca precisou de uma cara metade...
Sem dúvida que o outro é o validador da nossa existência... Desde os primeiríssimos tempos, em que o bebé, ao colo da mãe, tem apenas uma acuidade visual de cerca de 20cm, o suficiente para lhe ver o rosto e para, percebendo-se a si no olhar dela, se sentir existente e especial. Já no-lo conta o grande psicanalista português Coimbra de Matos no seu artigo "Ser único e ter rosto: o binómio resiliente" (boa leitura!).
Todavia, parei ali na forma como remataste o teu texto: "... e ser visto por alguém que nos ama é receber os contornos directores daquilo que nós próprios desejamos intrinsecamente ser". Deve ser bem verdade. É como que um dividir por dois aquilo que desejamos em nós. E com isso melhoramos pelo outro e do outro temos ajuda para melhorar.
É mais ou menos isso que a Psi Isabel Leal quis dizer quando escreveu sobre o poder dos afectos como estratégia de mudança, aqui:
http://camuflagens.blogspot.com/2006/07/4-enamoramentos-inoportunos.html
Um abraço
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