25 de novembro de 2006

ai, meu Santo Anselmo, alumiai-me!

Já há muito tempo que eu não tinha de me deter tanto tempo para entender completamente o sentido de um raciocínio. Não sei se o problema é da tradução ou do raciocínio; deve haver culpa de ambas as partes =P

Portanto, Senhor, Tu que dás o entendimento da fé, concede-me que, quanto sabes ser-me conveniente, entenda que existes como acreditamos e que és o que acreditamos. E na verdade acreditamos que Tu és algo maior do que o qual nada pode ser pensado. Acaso não existe uma tal natureza pois o insensato disse no seu coração: não há Deus. Mas com certeza esse mesmo insipiente, quando ouvir isto mesmo que digo, algo maior do que o qual pode ser pensado, entende o que ouve e o que entende está no seu intelecto ainda que não entenda que isso exista. Com efeito, quando o pintor concebe previamente o que vai fazer, tem isso mesmo no intelecto, mas ainda não entende que exista o que não fez. Mas quando já pintou, não só o tem no intelecto como entende que existe aquilo que já fez. E, de facto, aquilo maior do que o qual não pode ser pensado não pode existir apenas no intelecto. Se está apenas no intelecto pode pensar-se que existe na realidade, o que é ser maior. Se, portanto, aquilo maior do que o qual não pode ser pensado está apenas no intelecto, aquilo mesmo maior do que o qual nada pode ser pensado é aquilo relativamente ao qual pode pensar-se algo maior. Existe, portanto, sem dúvida, algo maior do que o qual não é possível pensar-se não apenas no intelecto mas também na realidade.

Proslogion, Santo Anselmo

2 comentários:

Anónimo disse...

Descanse, é da tradução. se seguir a versão em Português, já entende melhor...

1. "Uma coisa é que algo se encontre no entendimento e outra o compreender que existe. Quando, num primeiro momento, um pintor concebe [a obra] que pintará depois, tem na no seu entendimento, mas não apreende que ela seja [exista], porque ainda não a pintou. Mas depois de a pintar, ele apreende simultaneamente que ela está no seu entendimento e que existe [fora dele], porque ele a fez. Mesmo o néscio chegará a convencer se de que existe no pensamento algo acima do qual não é possível pensar nada maior; pois até ao ouvir dizê lo o compreende, e tudo o que se compreende se encontra no entendimento. Ora bem, aquilo acima do qual não é possível pensar nada maior não pode, evidentemente, residir apenas no entendimento. Pois se se considerasse apenas como algo pensado, poderia admitir se também o seu ser [existir], o qual seria já algo superior [ao simplesmente pensado]. Portanto, se aquilo acima do qual não é possível pensar nada maior se desse apenas no entendimento, teríamos que se tratava de algo acima do qual poderia pensar se algo maior. Mas isso é, na verdade, impossível. Existe, por conseguinte, sem dúvida alguma, algo acima do qual não é possível pensar nada maior, quer no entendimento, quer na própria coisa [realidade]. St.Anselmo, Proslogium cap. II

O Gigante Egoísta disse...

Muito obrigado pela participação. Eu segui a tradução que me foi recomendada, a do prof. Costa Macedo, pois não tenho conhecimento de outra. Há-de dizer-me qual a que usou, pois também me parece boa.

O meu intuito ao considerar que havia um problema com o argumento ontológico, nao se prende com a sua coerente formalidade lógica, mas com o problema tomista. O argumento ontológico é quase-imediatamente aceite pela pessoa com fé; mas, para quem não tem essa graça, há qualquer coisa que falha ou falta. Ainda não discerni o quê, mas talvez seja, como referi atrás, o problema levantado por S. Tomás de Aquino: o argumento só pode ser verdadeiro se houver no entendimento uma compreensao daquilo que é «o pensamento acima do qual nao ha outro». Será possível essa compreensao? Nao. Porquê? Porque a compreensao pressupoe que se «envolva» o objecto na consciência o que, mesmo que e sobretudo se for Deus, parece impossível (pelo menos tratando-se de uma consciência humana).

Mais à frente na obra, diz Sto. Anselmo, que, na verdade, nao se trata de uma espécie de cúpula do pensamento humano, mas de algo que está para além dessa cúpula, já que podemos entender/conceber que isso exista: «Portanto, Senhor, nao só És algo maior do que o qual nao pode pensar-se, mas És algo maior do que possa pensar-se. Pois, de facto, pode pensar-se que existe algo assim e, se nao és isso mesmo, pode pensar-se algo maior do que Tu, o que é impossível.» Sto Anselmo tira aqui Deus do âmbito da consciência humana, como se Ele fosse o que está para além do entendimento máximo. Se ele está para além da racionalidade, estamos a exigir um salto de fé, o que nao era pretendido por Sto Anselmo ao escrever o Monologion e o Proslogion, que se queriam estritamente racionais.

Novamente, muito obrigado pelo contributo!