20 de outubro de 2005

De tanto esperar meu coração alquebrou


«De tanto bater meu coração parou» (De Battre Mon Coeur S'Est Arrêté), o novo filme de Jacques Audiard, mostra bem a antinomia possível, mas como passagem e não destino, entre a dureza burgesso-casca-grossa e a sensibilidade artística, congregadas numa só unidade que é o protagonista Tom (interpretado por Romain Duris, o aluno erasmus da «A Residência Espanhola»). Um homem capaz de espancar okupas, fornicar adulteramente a mulher do melhor amigo, vociferar contra a professora de piano quando ele não consegue executar bem um trecho e até de sovar ao limite do homicídio o mandatário do assassino do pai; e simultaneamente perder horas pela noite adentro para aperfeiçoar a sua técnica de piano, com uma sensibilidade musical afinada pelo timbre de uma elevação parcial da vida do espírito. O segundo fulcro é relação pai-filho: o que significa ser pai e o que significa ser filho. A passagem da personagem de Duris à vida de adulto, o momento em que assume o estatuto de homem, é marcada por vários pontos: a inversão da relação pai-filho, em que passa a ser o filho a cuidar do pai, com o significado cada vez menos velado de que o pai não é imortal; o preço a pagar pelos seus pecados torna-se cada vez mais nítido; e a necessidade de uma relação e de um sentido atribuível à existência. Destes, o mais bem conseguido é o tema da paternidade, pois Tom, quando encontra o manager da mãe, pianista já falecida, sente que tem de abandonar simbolicamente o caminho do pai (o da extorsão e usura) para seguir o da mãe. Nesse sentimento demarcam-se os limites da relação com o progenitor, evidenciando as suas múltiplas falhas e fragilidades.
Diz o realizador “O filme é a história do amadurecimento de um homem. Ele cresce porque a música lhe ensina que o que faz é um beco sem saída.” E, no final, Tom realmente é um homem melhor, que não mata (o assassino do pai) e que larga o mundo imobiliário de, como ratos que são, se comerem entre si vivos; para finalmente amar e se deixar amar por quem mais o aproxima de um enlace final com a arte da mãe, a arte sustida nas cordas da lira de Apolo.
Mas o andamento do filme é lento (somos cerradamente levados ao ritmo − bem mais lento que as tocatas de Bach − das escolhas do protagonista, que detém todo o poder narrativo), não há impressão estética visual (embora quase seja compensada com a musical, que logrou ganhar um Urso de Prata) e, no escuro afundado da cadeira do Monumental, só pensava: quando é que isto acaba? É o pecado dos chatos, o que não significa que não sejam bons.

1 comentário:

Anónimo disse...

E como que por acaso, eis-me chegado há seis horas da mesmíssima (quem sabe?) cadeira do Monumental.
Thomas Seyr é, certamente, um homem com cara de poucos amigos, mas coração de muitos.
Não penso que o filme tenha sido tão maçador como aquilo para o qual fui preparado. De desenrolar lento, sim. Fácil de acompanhar sem muitos bocejos, também.
Aconselho a quem não viu o filme e que pretenda fazê-lo, a não ler o post deste nosso amigo.
Infelizmente, se estão a ler as minhas palavras é porque já passaram revista ao post.
Enfim... fiz o que pude.
Ce n'est pas grave!

Amigo, uma private, aqui que ninguém nos ouve...
Sou como o filme: chato, mas bom!

Luís