13 de dezembro de 2008

Selbst em Hermann Broch




Quando ia pelos nove anos, num dia dei por mim a entrar […] no bosque; era manifesto que desse modo me isolava dos outros miúdos, que brincavam à sua entrada, e depois de ter percorrido, durante algum tempo, essa paisagem tão minha conhecida, tomei subitamente consciência da minha solidão, não da solidão do meu corpo, mas da solidão da minha alma; quero dizer, soube subitamente que só o meu eu pensante era a verdadeira realidade, ao passo que tudo o resto, companheiros e árvores e animais, permanecia forçosamente num plano onírico e só por minha graça recebia realidade. Em resumo, eu tivera, de modo suficientemente terrível, a «experiência platónica», a partir da qual deveria desenvolver-se toda a minha futura atitude vital. Pois aparecia-me agora com absoluta necessidade a tarefa de criar uma nova realidade a partir da atmosfera onírica, de separar o real do irreal e conceder-lhe uma solidez existencial irrevogável «demonstrável». O homem solitário […] convertia-se subitamente pelo pensamento num «criador do mundo», a saber, num filósofo platónico, para quem recriar uma vez mais o mundo pelo pensamento se convertia numa missão. E de igual modo pela descoberta da solidão do eu, tinha encontrado ao mesmo tempo um antídoto para todos os anteriores desejos infantis de suicídio, não apenas porque a ela estava ligada a descoberta da existência da alma e da sua inviolabilidade, mas também porque a tarefa recém-descoberta do conhecimento precisava de muito tempo, sim, precisava mesmo de uma existência terrena particularmente longa.

Psychische Selbstbiographie
(traduzido por Maria Filomena Molder)

2 comentários:

APC disse...

Belo, no que de profundo! A descoberta do que descobrir... Tão inocente, mas tão determinante!

isa disse...

Terrível tomada de consciência de toda a alma "solitária".
E assim se perde a inocência!
Dói...