2 de abril de 2006

Porque continuo a achar que o pensamento não integra sinalização, ou seja, pontuação, e que a função desta é meramente auxiliar a exprimir graficamente o próprio conteúdo desse pensamento e a vivência fisiológica que o pode acompanhar, coisa a que chamamos ‘emoção’, considero alguma legitimidade na escrita assinaléctica de Saramago e toda a legitimidade nas frases intermináveis de Proust, como esta, que se vão desenrolando em espirais de fumo, entrelaçando-se, volteando e coleando, serpenteando pelo espaço onde recebemos e interagimos com os outros, ao ritmo e no discorrer próprio do nosso pensamento, sendo que a frase que, pela agilidade sintáctica, conseguir encadear ideias da mesma forma ordenada-desordenada que o pensamento humano, será a frase ideal, progredindo de vocábulo em vocábulo, de oração em oração, como o olhar interior percorre e contempla cada ideia, pára e repara, para logo ser captado por outro detalhe fugaz, numa corrente que só termina na palavra consciência.

1 comentário:

Nothing more than me disse...

A literatura é arte feita com palavras (e também silêncios), como a pintura é feita de tintas (e espaço vazio), como...! E a melhor das artes, é - a mon avis - a que consegue o seu propósito de comunicação de uma mensagem, seja através do pensamento, seja da emoção. E isso passa tanto pelo estilo que se lhe imprime, na conjugação dos elementos, nos recursos expressivos - o que respiram e transpiram; na força do pincel, no jogo de pontuação). Mas não só, não apenas. É arte a que contém em si a estética; E Estética - dizia Kant - é aquilo que agrada, sem conceito. Pois é claro que estamos em presença de dois exemplos de verdadeira literatura. Se nos comunicar e agradar, desnecessária é a razão!