25 de março de 2006

Marilyn

Virei as costas e caminhei pela penumbra da rua húmida. Já era tarde e essa fora a sua desculpa. Marilyn despedira-me novamente, queria ir dormir. Já eram passados alguns anos depois do Gentlemen Prefer Blondes e o seu êxtase, reflectido outrora no louro platinado do cabelo, desaparecera completamente e tinha dado lugar ao desespero. Afinal, Hollywood não era nem a resposta, nem a vocação. Marilyn perseguira o estrelato depois de ter levado uma vida mísera como operária fabril. Fora o desencanto com esta vida o móbil da sua fuga; e as luzes da ribalta, falsas estrelas, ofuscaram os seus olhos simples. O fausto tem o condão de seduzir e tornar as almas mais pequenas. Marilyn percebera isto ao fim de algum tempo e tentou trazer algum sentido e dignidade à sua vida através da inscrição no Actors Studio. Conseguiu uma personalidade minimamente estruturada através da amizade e identificação com o também misfit Montgomery Clift e isso deu-lhe um pressentimento e sede de ideias. Mas a falta de preparação para enfrentar a retórica manhosa de Arthur Miller, levou-a ao altar e, mais tarde, ao álcool e drogas. Inevitavelmente, é isto que acontece a quem cede a dialogar com o mal.

Deixei-a ali sentada na poltrona de veludo vermelho enleada num quimono de seda branca, olhando-me pelas olheiras exaustas e certamente pensando que estava a fazer o que achava melhor − a única forma de agir possível nas circunstâncias vitais a que chegara. Marilyn não soube aproveitar a bóia de salvação dos Kennedy, nem soube aproveitar a minha dedicação e preocupação. Queria que desabafasse sobre o seu despedimento do Something’s Got to Give, mas ela, amedrontada e aconselhada em contrário, não abria a boca sobre que lhe percorria a mente torturada. Marilyn estava perfeitamente controlada como uma marioneta e era incapaz de reagir por si. Tinha finalmente consciencializado isso. Marilyn nunca acordou dessa noite de suicídio.

1 comentário:

Anónimo disse...

Nice colors. Keep up the good work. thnx!
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