15 de dezembro de 2008

a evolução das espécies


Sempre me inquietou o uso de conteúdos explicativos fora do seu âmbito. Um dos exemplos com que mais me deparo é o uso da teoria da selecção natural, como meio de explicação da também teórica evolução das espécies, fora do meio restrito da biologia. Chamo-lhes teorias porque hoje se tomam como facto «demonstrado cientificamente», quando na verdade a evolução das espécies ou a selecção natural, em rigor, não podem ser demonstradas: constituem um modelo interpretativo coerente e, aparentemente, com um alto grau de evidência.

Não está em causa a teoria da evolução das espécies: se acreditamos ou não. Por mim, acredito que de facto houve uma evolução das espécies animais «by means of natural selection», mas trata-se quase de uma questão de fé.

O que está em causa é o mau uso da teoria para logo elaborar intrincadas extrapolações sociológicas. O problema é que não se trata de estabelecer um raciocínio analógico, mas sim o uso da própria teoria para aplicação noutras áreas que não as da biologia.


A evolução das espécies não pode ser usada como mais do que uma descrição científica para a interpretação de certos factos da natureza. Usá-la como arma de arremeso sociológica é simplesmente falacioso. Revi-me pois no seguinte passo de Chesterton da Ortodoxia:

A evolução é, ou uma inocente descrição científica do modo como certas coisas terrenas surgiram; ou – no caso de ser algo mais do que isso – um ataque ao próprio pensamento. Se a evolução destrói alguma coisa, o que ela destrói não é a religião, é o racionalismo. Se a evolução significa, muito simplesmente, que uma coisa positiva chamada macaco se transformou, muito lentamente, numa coisa positiva chamada homem, então é inofensiva para os mais ortodoxos; porque um Deus pessoal tanto pode fazer as coisas lentamente como fazê-las depressa, em especial se se encontrar, como acontece com o Deus cristão, fora do tempo.


13 de dezembro de 2008

Selbst em Hermann Broch




Quando ia pelos nove anos, num dia dei por mim a entrar […] no bosque; era manifesto que desse modo me isolava dos outros miúdos, que brincavam à sua entrada, e depois de ter percorrido, durante algum tempo, essa paisagem tão minha conhecida, tomei subitamente consciência da minha solidão, não da solidão do meu corpo, mas da solidão da minha alma; quero dizer, soube subitamente que só o meu eu pensante era a verdadeira realidade, ao passo que tudo o resto, companheiros e árvores e animais, permanecia forçosamente num plano onírico e só por minha graça recebia realidade. Em resumo, eu tivera, de modo suficientemente terrível, a «experiência platónica», a partir da qual deveria desenvolver-se toda a minha futura atitude vital. Pois aparecia-me agora com absoluta necessidade a tarefa de criar uma nova realidade a partir da atmosfera onírica, de separar o real do irreal e conceder-lhe uma solidez existencial irrevogável «demonstrável». O homem solitário […] convertia-se subitamente pelo pensamento num «criador do mundo», a saber, num filósofo platónico, para quem recriar uma vez mais o mundo pelo pensamento se convertia numa missão. E de igual modo pela descoberta da solidão do eu, tinha encontrado ao mesmo tempo um antídoto para todos os anteriores desejos infantis de suicídio, não apenas porque a ela estava ligada a descoberta da existência da alma e da sua inviolabilidade, mas também porque a tarefa recém-descoberta do conhecimento precisava de muito tempo, sim, precisava mesmo de uma existência terrena particularmente longa.

Psychische Selbstbiographie
(traduzido por Maria Filomena Molder)