18 de dezembro de 2006

SENTIDO DO MUNDO - 2

O regime normal de sentido é o que atribui significado ao que fazemos. Vivemos dominados pelo significado que atribuímos às nossas possibilidades (é o que dá sentido à nossa vida). Eg, a saúde define claramente o significado da existência e é uma possibilidade. Isto significa que a possibilidade de saúde permite outras possibilidades e, assim, a capacidade atinente de extrair um significado para a existência; a possibilidade de doença rapidamente fatal como que pode anular todas as outras possibilidades passíveis de atribuir um significado à existência, o que pode redundar, como já vimos, no desespero.

A particularidade do nosso regime de sentido é a sua balcanização[1] (regionalização). Há como que cantões (regiões correspondentes à preguiça, à riqueza, ao amor, etc.) que podem chocar entre si, como se não houvesse uma unificação entre eles. Diz-se que o significado da existência é míope porque, tal como os dias de nevoeiro, o alcance da visão que temos dele pode variar (nevoeiro que se vê até 10, 20, 30 m...). Ou seja, não há um alcance contínuo da visão da vida. Por isso estamos condicionados a viver de acordo com objectivos que vamos estabelecendo dia a dia, consoante a distância da nossa visão nessa altura (eg, acabar a faculdade, deixar de fumar, etc.) Diz-se também que é a prazo, pois as coisas vão aparecendo no dia-a-dia, não estão todas estabelecidas ao mesmo tempo.

Muitas vezes há choques entre as várias determinações (regiões): a unidade do conjunto de sentidos da nossa vida é lassa e variável (ie, podemos ir adoptando diferentes regimes de sentidos ao longo da vida). Mas há ou não uma presidência neste regime de sentidos? Na verdade, há uma unificação do regime de sentido da vida que somos nós. Tudo o que fazemos é por mor de nós. Mas o que somos nós? Somos uma inconstância, devido ao facto de sermos completamente balcanizados (um dia fazemos x por nós e no dia seguinte já podemos fazer y também por nós, sendo que esse y pode ser contrário ao x). A balcanização é realmente completa? Sim e não. Tudo o que fazemos é por mor de nós próprios, mas nessa equação o «nós» corresponde a uma variável.


[1] Balcanizar é, de acordo com Houaiss, «fragmentar (uma região, um país ou império) em Estados menores, tornando-os (ou não) antagónicos. A acepção pejorativa do verbo balcanizar reflecte a fragmentação histórica dos Balcãs, caracterizando-os como área de constante conflito e permanente instabilidade.

15 de dezembro de 2006

SENTIDO DO MUNDO - 1

A tese é: «vivemos sob a presidência do Mundo». Pretendo debruçar-me, ao longo de vários posts, sobre a reflexão filosófica do que é o mundo e de como nos encontramos nele.

O mundo corresponde à autonomização do finito. A nossa vida está determinada pelo sistema de possibilidade finitas (eg, nascer em Portugal é um conjunto de possibilidades de ser português, falar português, comer comida portuguesa, etc.). A nossa existência está condicionada por esse conjunto de possibilidades que nos é oferecido (eg, falar português, a nossa altura, a nossa massa corporal, o alcance da visão, etc.)

O conjunto de possibilidades contém em si o significado da nossa existência. Ou seja, aquilo que atribui significado à nossa existência é uma coisa possível de realizar porque está condicionada às nossas possibilidades. Quando determinado sujeito chega à conclusão de que aquilo que atribui significado à sua existência é algo impraticável, porque está além das suas possibilidades, dá-se o desespero. Isto quer dizer que o conjunto de possibilidades oferecidas não possibilita uma existência válida a esse sujeito, já que ele pensa essas possibilidades como insignificantes ou nulas.